O isolamento social fez com que os dois moradores de Piracicaba investissem o tempo da quarentena forçada em um novo e inusitado passatempo para driblar a falta de convivência com familiares e amigos: começaram a produzir cerveja artesanal dentro do próprio apartamento para driblar as limitações impostas pelo coronavírus.
Na verdade, a primeira cerveja foi feita no dia 7 de março de 2020, dois dias antes do anúncio mundial que decretou do estado de pandemia, em 11 de março. “Parece que foi como um presságio, porque de lá pra cá seguimos fazendo e aprimorando as receitas”, confidenciou Camila.
“Desde quando começamos, já realizados 10 brassagens e produzimos diferentes tipos e estilos de cerveja. Cada uma possui um desafio diferente, mas a mais repetida é a receita da Session IPA, que é a nossa preferida”, contou.
A parte inicial da fabricação da cerveja começa na cozinha, por conta do fogão que lá se encontra e pela necessidade da fervura - primeiro passo no processo de produção. Já a lavanderia é usada para decantação e o resfriamento do caldo.
Como tudo tem que ser bem dimensionado, a água que sobra desse processo é usada para lavar o quintal e a cozinha. Na sala, onde estão duas geladeiras e um freezer vertical, são depositados os tonéis de cerveja que estão em fase de fermentação, em temperatura controlada.
“Queremos aumentar a frequência na produção e estamos precisando de uma outra geladeira para fazer a fermentação à frio dos pães, mas ainda não sabemos onde colocar. São dois processos distintos, já que cerveja precisa de uns 20 dias para fermentar, mas o pão é mais rápido”, explicou Camila.
O procedimento adotado pelo casal é pelo método BiaB (Brew in a Bag), que é uma forma mais simples e barata para os cervejeiros fazerem a transposição do líquido e a separação da parte sólida, resíduo gerado pelos grãos de cevada fervidos.
Essa técnica utiliza um saco, costurado como uma fronha, que é imerso em sua totalidade do interior da panela e, após a fervura, deve ser fechado por um cordão ou laço na parte superior para permitir que o saco seja içado e, assim, faça a filtragem da cerveja. Fazendo assim a separação do mosto, que é a mistura do malte aquecido na água fervente.
Após a separação do malte filtrado, o restante do material retido no filtro que sobra no saco, durante a filtragem, é a rica matéria prima utilizada para se fazer os pães, a outra obra do casal que tem uma loja virtual no Instagram para a venda de seus produtos de panificação artesanal provenientes de fermentação natural (@vive_levain), mas essa história eu conto mais para baixo.
Voltando a fabricação de cerveja, ainda há o processo de fermentação que pode variar conforme o estilo produzido e, após tudo isso, com a cerveja já pronta para ser apreciada, ainda tem que se fazer o enchimento das garradas. “Essa, realmente, é a última etapa do processo de produção, quando finalmente envasamos a cerveja”, disse Camila.
“Como o apartamento fica no térreo temos uma área externa, que é
utilizado como um ‘quintal’, já que a lavanderia fica dentro da cozinha. Mas,
como temos esse espaço, colocamos a máquina de lavar para fora e usamos para
estender a roupa e também para o lazer, onde degustamos o fruto de nossa
criação”, completou Camila.
Nome
transgressor
Como toda boa cerveja artesanal tem que ter um nome diferente e sugestivo, Camila e Robelio batizaram seu produto de Lei Seca, para lembrar a norma que entrou em vigor em 1920, nos Estados Unidos, proibindo a produção de bebidas alcoólicas. Estabelecida por pressão de grupos religiosos, a lei visava à redução da criminalidade, mas teve efeito contrário.
“É um nome transgressor, já que na essência temos uma produção que dá um ar de ilegalidade, até mesmo porque a cerveja ainda é caseira e feita em ‘fundo de quintal’. Tanto que há um policial na imagem do rótulo obrigando os cervejeiros a descartarem o produto”, confidenciou Camila.
Transição de carreira e inovação
Com a panificação e o desejo de mudar de área de atuação para desenvolver novas habilidades, Camila enxergou uma nova oportunidade para empreender e mudar de carreira profissional. A ideia prosperou tanto que um dos pães mais inusitadas, e que apresenta inovação no processo, é o que traz malte em sua receita.
“Temos um dos pães, que chamamos de cervejeiro, que é feito com o resíduo de malte que sobra da filtragem no processo de fabricação da cerveja e que o transformamos em farinha”, confidenciou.
Ou seja, matéria prima não falta nessa padaria e
o método é o pain
au levain, ou o pão de fermentação natural. “O pão e a cerveja se
assemelham bastante, pois ambos são compostos basicamente de grãos, água e
fermento, tanto que a cerveja alimenta e é chamada por muitos de pão-líquido”,
completou a padeira cervejeira.